Um fenômeno comum, que se tem percebido é a inadequação de alguns termos em determinados contextos, tendo assim uma “deterioração semântica”, levando ao risco, palavras com grande riqueza no seu significado, cair num vocabulário totalmente contrário ao seu uso. Tomo alguns exemplos, antes de citar os que o livro apresenta. O termo ‘leigo’, que é aquele que não é ordenado, numa perspectiva religiosa, passou a ser tido como, o que não sabe sobre determinado assunto, e o ‘ignorante’ que realmente é aquele inepto no assunto, é tido como alguém estúpido e grosseiro. Como esvaziamento semântico, Lima Vaz, coloca a palavra ‘Mística’, que dentre tantas palavras, fora uma das mais vulgarizadas. No sentido original, pode elevar o ser humano, às mais altas formas de conhecimento e de amor que lhe é permitido alcançar na vida.
“O termo mística e de seus derivados diz respeito a uma forma superior de experiência, de natureza religiosa, ou religioso-filosófica (Plotino), que se desenrola normalmente num plano transracional – não aquém, mas além da razão -, mas por outro lado, mobiliza as mais poderosas energias psíquicas do indivíduo.” (VAZ, 2000, pág. 09)
A forma original se difere das outras, pois: 1) tem um lugar num plano transracional, indo além da razão; 2) há a conciliação entre inteligência e amor; 3) é pessoal, por isso, não poder ser partilhada; 4) a razão transcende a si mesma e volta para Deus, apresentado como Absoluto.
Antropologia da Experiência Mística
Para compreender a experiência mística, é necessário conhecer o ambiente antropológico a que pertence, pois parte da relação do ser humano e o seu lugar histórico, com o Absoluto. Essa experiência, subjetiva e objetiva pode ser expressa de forma pedagógica através de um triângulo, que compõe “místico-mística-mistério”. (VAZ, 2000, pág. 17 apud LOPEZ, 1977)
Vaz, ainda apresenta outros conceitos arquétipos para expressar o “conhecer a si, pelo mais íntimo de si mesmo”, novamente, de forma pedagógica, através de um “quiasmo” expressando o interior-superior, interior-exterior, inferior-superior e inferior-exterior. (VAZ, 2000, pág. 19)
Formas da Experiência Mística na Tradição Ocidental
· A mística especulativa:
É continuação da experiência metafísica no que se refere ao caráter experencial, tendo como sentido o pensamento voltado para o mistério do Ser. Tem por característica, que a define, ser a mística do conhecimento.
“A mística especulativa é, portanto, o esforço mais audaz – na mística natural – e o apelo mais radical – na mística sobrenatural – para que o espírito humano, seguindo o roteiro do logos, penetre no domínio do translógico.” (VAZ, 2000, pág. 30)
A mística especulativa tem uma estrutura que tem por eixos, subjetivo: estando relacionado à alma, ao conhecimento, sendo a inteligência no seu mais alto grau; objetivo: reflete a capacidade do humano de conhecer e amar o Absoluto.
Toda mística é mistérica, apesar de receber essa definição como uma das formas. A experiência mística com Deus faz analogias com os cultos gregos (pagãos), influenciando-a através da história.
“é preciso não esquecer que, sendo uma experiência, a mística mistérica é vivida, evidentemente, no campo interior da consciência.” (VAZ, 2000, pág. 46)
“Constitui em torno da Palavra da Revelação, tal como é comunicada, recebida e vivida ao longo da tradição bíblico-cristã. Assim como a mística especulativa é a mística do conhecimento – saber e contemplação, gnosis e theoria – e a mística mistérica é uma mística da vida – assimilação e divinização, homoíosis e theíosis -, a mística profética é uma mística da audição da Palavra – fé e caridade, pístis e ágape -, ou seja, é uma mística que floresce no terreno da Palavra de Deus.” (VAZ, 2000, pág. 57)
a mística profética eleva a especulativa e a mistérica, fazendo participar da “sabedoria de Deus no mistério” (VAZ, 2000, pág. 58)
Essa experiência pode ser subjetiva e objetiva, e sua estrutura pode ser apresentada pelo esquema:
Profundidade de Deus
Rm 8,33 1Cor 2,10
Contemplação |
Mistério |
Cristo Jesus |
Fé Experiência Palavra
Difere-se das outras tradições, mantendo o caráter de experiência cristã, através da mediação. Essa mediação tem por centro, como totalidade, Jesus Cristo. Algumas formas que valem ser citadas:
a) mediação criatural: o ser humano depende de Deus, pois Ele criou tudo;
b) mediação da graça: exclui o esforço humano e parte de Deus como dom gratuito;
c) mediação histórica: é o fundamento das outras mediações; parte da concepção da Encarnação do Verbo na História.
Em nível de conclusão, percebe-se que a mística através dos seus esquemas pedagógicos, ajuda o ser humano também ser espiritual, a compreender a sua experiência mística na modernidade. A qual, sem esses diagramas e percepções, o indivíduo moderno fica perdido diante da sua realidade ao Mistério de Deus.
Referência: VAZ, Henrique C. de Lima, Experiência Mística e Filosofia na Tradição Ocidental, Edições Loyola, 2000.