Trabalho apresentado ao curso de Teologia como requisito parcial de aprovação na disciplina Teologia Moral (Social) - 29/09/2011.
Duas encíclicas, distantes 114 anos no tempo cronológico e bem próximas no conteúdo que apresentam. A primeira, Rerum novarum, escrita pelo Papa Leão XII, a 15 de maio de 1891, vai tratar sobre a condição dos operários, debatendo a jaez das classes trabalhadoras. A segunda, Deus Caritas est, escrita pelo Papa Bento XVI, de 25 de dezembro de 2005, direcionada aos bispos, presbíteros e diáconos, às pessoas consagradas e a todos os fiéis leigos sobre o amor cristão, ou melhor, o amor de Deus pelo ser humano.
A Rerum novarum nasceu no período da revolução industrial. A partir disso, o papa Leão XIII vai criticar a atitude dos grandes empresários quanto à atitude deles com seus funcionários, fazendo-os trabalhar em situações precárias, escassas e com pouco rendimento como retorno ao trabalho; operários e patrões devem o mútuo respeito, os primeiros não prejudicando os seus empregadores, e em situação de desgosto, não usar a violência, os segundos, reconhecendo o valor humano do outro, não provendo contra a economia dos mais pobres, não os tornando mais pobres.
Lembra que os socialistas procuraram resolver esse problema, e faz uma nova crítica aos socialistas, valorizando a propriedade particular, pois essa é para o homem um direito natural [5]: “Não vêem, pois, que despojam assim esse homem do fruto de seu trabalho; porque, afinal, esse campo preparado com arte pela mão do cultivador, mudou completamente de natureza, era selvagem, ei-lo arroteado: de infecundo, tornou-se fértil; o que tornou melhor, está inerente ao solo e confunde-se de tal forma com ele, que em grande parte seria impossível separá-lo. Suportaria a justiça que um estranho viesse então atribuir-se esta terra banhada pelo suor de quem a cultivou? Da mesma forma que o efeito segue a causa, assim é justo que o fruto do trabalho pertença ao trabalhado.” [7]. Em seguida, coloca a família como uma instituição que não deve ser administrada pelo Estado.
Nas palavras da encíclica, não é o comunismo que vai melhorar a sociedade, já que isso é uma responsabilidade da Igreja, “é a Igreja, efetivamente que haure no Evangelho doutrinas capazes ou de pôr termo ao conflito ou ao menos de o suavizar, expurgando-o de tudo o que ele tenha de severo e áspero; a Igreja que não se contenta com esclarecer o espírito de seus ensinamentos, mas também se esforça em regular, de acordo com eles a vida e os costumes de cada um; a Igreja, que, por uma multidão de instituições eminentemente benéficas, tende a melhorar a sorte das classes pobres; a Igreja, que quer e deseja ardentemente que todas as classes empreguem em comum os seus conhecimentos e as suas forças para dar à questão operária a melhor solução possível; a Igreja, enfim, que julga que as leis e a autoridade pública devem sem dúvida, com medida e prudência, prestar seu concurso para esta solução [10].
Ainda vai discutir as obrigações do governo, a importância dos negócios e do trabalho. Porém, interessa nesse estudo, a compreensão social a partir da encíclica seguinte, a Deus Caritas est. Concluindo, e posto como solução para os problemas coevos, cita a Caridade, das virtudes teologais, a única que não acaba, mesmo em compreensão escatológica. Dessa apreensão, faz necessário usar o texto de Leão XIII, ipsissima verba: “Vede, Veneráveis Irmãos, por quem e por que meios esta questão tão difícil demanda ser tratada e resolvida. Tome cada um a tarefa que lhe pertence; e isto sem demora, para que não suceda que, adiando o remédio, se tome incurável o mal, já de si tão grave.
Façam os governantes uso da autoridade protectora das leis e das instituições; lembrem-se os ricos e os patrões dos seus deveres; tratem os operários, cuja sorte está em jogo, dos seus interesses pelas vias legítimas; e, visto que só a religião, como dissemos no princípio, é capaz de arrancar o mal pela raiz, lembrem-se todos de que a primeira coisa a fazer é a restauração dos costumes cristãos, sem os quais os meios mais eficazes sugeridos pela prudência humana serão pouco aptos para produzir salutares resultados. Quanto à Igreja, a sua acção jamais faltará por qualquer modo, e será tanto mais fecunda, quanto mais livremente se possa desenvolver.
Nós desejamos que compreendam isto sobretudo aqueles cuja missão é velar pelo bem público. Em-preguem neste ponto os Ministros do Santuário toda a energia da sua alma e generosidade do seu zelo, e guiados pela vossa autoridade e pelo vosso exemplo, Veneráveis Irmãos, não se cansem de inculcar a todas as classes da sociedade as máximas do Evangelho; façamos tudo quanto estiver ao nosso alcance para salvação dos povos, e, sobretudo, alimentem em si e acendam nos outros, nos grandes e nos pequenos a caridade, senhora e rainha de todas as virtudes. Portanto, a salvação desejada deve ser principalmente o fruto duma grande efusão de caridade, queremos dizer, daquela caridade que compendia em si todo o Evangelho, e que, sempre pronta a sacrificar-se pelo próximo, é o antídoto mais seguro contra o orgulho e o egoísmo do século. Desta virtude, descreveu S. Paulo as feições características com as seguintes palavras: «A caridade é paciente, é benigna, não cuida do seu interesse; tudo sofre; a tudo se resigna»” [37].
Terminando o texto de Leão XIII e iniciando o de Bento XVI, a caridade, toma um aspecto mais profundo. O do amor de Deus. A atual encíclica é dividida em duas partes: a primeira sobre a unidade do amor na criação e na história da salvação; a segunda, que aprofunda o presente estudo, com o tema: Caritas – A prática do amor pela Igreja enquanto “comunidade de amor”.
Bento XVI redime a palavra amor, que estava sendo mal usada através da história, tornando-se um objeto de uso, uso errôneo na classificação, desejo e impulsos humanos. E coloca que o Amor está além, principalmente quando este vem de Deus: “Deus ama tanto o ser humano, que tendo-se feito, ele próprio, homem, segue-o até a morte e, desse modo, reconcilia justiça e amor” [10].
Em retribuição ao amor de Deus, mostramo-lo a nosso próximo, assim como Jesus, Deus-Filho fez. Nessa perspectiva, a encíclica Deus Caritas est encontra com a Rerum novarum, uma vez que reconheço no rosto do próximo o rosto de Deus, e percebo que o próximo é aquele que precise de mim e eu posso ajudá-lo [15]. “Só a minha disponibilidade para ir ao encontro do próximo e demonstrar-lhe amor é que me torna sensível também diante de Deus. Só o serviço ao próximo é que abre os meus olhos para aquilo que Deus faz por mim e para o modo como ele me ama [18].
E como a Igreja exerceu a caridade ao longo da sua história?
“Deus é amor”, é caridade, por isso, seguindo o que Jesus ensinou que devemos amar ao próximo, e usando as palavras do doutor da lei que é narrado no Evangelho de Lucas, “Quem é meu próximo?” toma-se como discussão de quem a Igreja se tornou próxima ao longo da sua história.
Desde o início da Igreja, a caridade foi uma grande e destacável característica, sendo os bispos grandes pastores de um rebanho desamparado e necessitado, ajudavam e respeitavam os pobres e cárceres com grande respeito. Logo, com Constantino, os bispos de Roma serão concebidos como “pater pauperum”.
Nesse período de Igreja pós-apostólica, surgiram os hospitale para acomodar e cuidar dos desamparados e enfermos. Era um refúgio para os pobres, onde era notável a essência de uma caridade cristã, que em pouco tempo se espalha por toda parte, ganhando seguidores empenhados em fazer a caridade.
Como exemplos de pessoas dedicadas ao povo, destacam-se Ambrosio, que criticava os ricos; Jerônimo, que transmitiu exemplos de caridade para o povo; Senador Panáquio e sua esposa Paulina, que dedicavam aos pobres e criaram um hospital; São Francisco de Assis que abandonou tudo para ter uma vida humilde e fazendo caridade; Pontífices como: Leão Magno, Gelásio I e Símaco.
No final da Idade Média, a devoção ao protetor do trabalhador, São José era grande, por isso dava ênfase que os pobres eram uma desgraça da sociedade, que sua condição não o permitia melhorar de vida. Ser pobre era ser considerado marginal.
Os bispos perderam sua essência, e deixaram de ser “pai dos pobres” e passaram a ser pessoas que cobiçavam grande poder e dinheiro. Em determinadas situações, chegavam ao extremo de não consagrar o oficio divino, não sepultar ou realizar procissões por não receberem a quantia de dinheiro que queriam.
Apesar disso, os ricos davam um pouco do que tinham aos mais necessitados, mesmo que fosse o mínimo. Com isso, a miséria não foi tão grave. Daí surgiu a idéia de que nenhuma migalha deve ser jogada fora, tudo deve ser consumido.
Porém, a Igreja não abandonou completamente seus pobres, também surgiram congregações religiosas, como os franciscanos e os dominicanos, que viviam em lugares periféricos e dedicavam suas vidas aos mais necessitados. Diante desse problema, e voltando a encíclica, é notório lembrar que a Igreja acorda para essas realidades, como foi visto na Rerum novarum sobre os operários.
A Igreja, não deve tomar o lugar do Estado, mas na sua missão evangélica, tem o dever de estar pronta para iniciar mudanças e mediar conflitos entre Estados. Na sua missão da Caridade, do Amor, cabe a cada fiel, corpo vivo da Igreja, zelar por essas mudanças na sociedade. Pois o Amor é uma prática feita em comunhão.
Portanto, as encíclicas Rerum novarum e Deus Caritas est, apresentam em comum, é o compromisso do cristão em exercer as mudanças na sociedade, e assim como Jesus Cristo, anunciar o Reino de Deus. Por isso que devemos permanecer no Amor, como lembra São Paulo, só o Amor não passará.