Trabalho apresentado ao curso de Teologia como requisito parcial de aprovação na disciplina Exegese Bíblica (Apocalíptica - Antigo Testamento) - 08/06/2011.
- A perícope no conjunto da obra:
O livro de Daniel é um livro apocalíptico, um gênero literário que surge em momentos de crise extrema. Seu relato é obscuro, caracterizado por um grande número de imagens e símbolos, que são códigos compreensíveis apenas para o grupo a quem se dirige, para que os que não pertencem à comunidade não compreendam a sua mensagem. Além de fazer menção a relatos de forma velada, tem como objetivo geral trazer a esperança para o povo fiel, representado pelos macabeus.
O autor, que se intitula Daniel, escreve o livro por volta do ano 175-164 aC , no período dos macabeus, que estavam sendo perseguidos pelos selêucidas, mas como artifício literário o autor coloca-se entre os anos 600 a 500 aC , no período dos babilônios.
Ele não está preocupado com a narrativa dos fatos e sim com a mensagem que ele transmite, já que ele quer incentivar a fé e a esperança diante da dominação grega. Exemplo disso é o capítulo 7.
O livro é o único que se encontra em vários idiomas, sendo que se encontra em grego (3,52-90; 13 e 14), aramaico (2,4b–7,28), hebraico (1,1–2,4a e capítulos 8 a 12) e um acréscimo em latim em 14,42, que corresponde à benção do rei, que se encontra apenas na tradução da vulgata. Apesar dos três idiomas principais, o livro é dividido em duas partes: de 1 ao 6 onde há relatos dos sonhos e as interpretações de Daniel. E de 7 ao 12, onde há os relatos das visões.
O capítulo 7 em especial é o marco que divide os sonhos das visões, pois o mesmo texto apresenta os dois elementos. Ele lembra o capítulo 2, que relata o sonho da estátua, pois seu significado é parecido.
- Analise lingüística:
1- No primeiro ano de Baltasar, rei de Babilônia, Daniel, estando em seu leito, teve um sonho, e visões lhe assomaram a cabeça. Ele redigiu o sonho por escrito. Eis o começo da narrativa:
Através de sonhos e visões, Daniel coloca os animais como anúncios pré-cognitivos, como se não conhecesse a história até o período da dominação do império grego.
O sonho e as visões são características comuns no apocalipse, onde há cenas incompreensíveis sem uma interpretação. O autor escreve o sonho: ele guarda o que vê até o momento certo de revelar o que viu.
2- Tomou a palavra Daniel, dizendo: Eu estava contemplando a minha visão noturna, quando vi os quatro ventos do céu que agitavam o grande mar.
O relato acontece na visão noturna, pois está sonhando, e o gênero apocalíptico apresentado é em sonho; os quatro ventos referem-se a todos os lugares do mundo (quatro lados do mundo); o grande mar quer dizer, que os Impérios sairão de terras além do mar.
3- E quatro animais monstruosos subiam do mar, um diferente do outro.
Os quatro animais são quatro reinos, os mesmos mencionados no capítulo 2. Esses reinos são Babilônia, Média, Pérsia e Grécia.
4- O primeiro era semelhante a um leão com asas de águia. Enquanto eu o contemplava, suas asas lhe foram arrancadas e ele foi erguido da terra e posto de pé sobre suas patas como um ser humano, e um coração humano lhe foi dado.
O leão é um símbolo babilônico e representa seu poder; suas asas são o seu grande poder; elas são arrancadas, pois o império perde o poder.
5- Apareceu um segundo animal, completamente diferente, semelhante a um urso, erguido de um lado e com três costelas na boca, entre os dentes. E a este diziam: “Levante-te, devora muita carne!”
O urso é o império dos medos. Ele estava de pé, pois estava preparado pra atacar; é um império com toda a sua força, pronto pra atacar qualquer povo, mesmo que ele seja bom e completo (três).
6- Depois disso, continuando eu a olhar, vi ainda outro animal, semelhante a um leopardo, que trazia sobre os flancos quatro asas de ave; tinha também quatro cabeças e foi-lhe dado o poder.
O leopardo é o império persa. É um império cujo poder pode dominar todo o mundo se o quiser, pois tem quatro asas e quatro cabeças (lembrando os quatro cantos do mundo) e, por ter quatro cabeças, tem potencial para ter chifres, que representa muito poder.
7- A seguir, ao contemplar essas visões noturnas, eu vi um quarto animal, terrível, espantoso, e extremamente forte: com enormes dentes de ferro, comia, triturava e calcava aos pés o que restava. Muito diferente dos animais que o haviam precedido, tinha este dez chifres.
O quarto animal é o império grego, que tinham armas que nenhum outro povo conhecia, além de ferramentas e arsenal para guerra. Esses dez chifres representam os dez reis gregos.
8- Enquanto eu considerava esses chifres, notei que surgia entre eles ainda outro chifre, pequeno, diante do qual foram arrancados três dos primeiros chifres pela raiz. E neste chifre havia olhos como olhos humanos, e uma boca que proferia palavras arrogantes.
Nesse versículo, termina o relato do sonho.
O chifre pequeno é Antíoco Epífanes que se impôs sobre seus rivais (três reis) eliminando-os. O chifre pode ser usado como corneta, por isso proferia palavras arrogantes, não respeitando nada. Seus olhos são o conhecimento; é um rei que conhece tudo o que acontece.
9- Eu continuava contemplando, quando foram preparados alguns tronos e um Ancião sentou-se. Suas vestes eram brancas como a neve; e os cabelos de sua cabeça, alvos como a lã. Seu trono eram chamas de fogo com rodas de fogo ardente.
Uma cena celeste mostra Deus em sua majestade. Deus é o Ancião, o Rei, o Juiz, o Sacerdote.
Ancião é alguém sábio e justo; vestido de branco é um sacerdote; o cabelo branco porque é idôneo, é um juiz, também pode simbolizar a eternidade.
Deus está em um trono com chamas de fogo, pois ele é fogo devorador.
10- Um rio de fogo corria, irrompendo diante dele. Mil milhares o serviam, e miríades de miríades o assistiam. O tribunal tomou assento e os livros foram abertos.
Deus é o juiz, por isso ele abre os livros, onde há as sentenças; as miríades são seus assessores.
11- Eu continuava olhando, então, por causa do ruído das palavras arrogantes que proferia aquele chifre, quando vi que o animal fora morto, e seu cadáver destruído e entregue ao abrasamento do fogo. 12- Dos outros animais também foi retirado o poder, mas eles receberam um prolongamento de vida, até uma data e um tempo determinados.
Deus julgou todos os impérios, como lembra Dn 5, seus poderes tiveram os anos contados e pesados; receberam sua sentença e tiveram um fim;
13- Eu continuava contemplando, nas minhas visões noturnas, quando notei, vindo sobre as nuvens do céu, um como Filho do Homem. Ele adiantou-se até ao Ancião e foi introduzido à sua presença.
O Filho do homem não é nenhuma referência ao Messias, apesar de ser atribuído a Jesus posteriormente. Aqui ele é apresentado em oposição às feras. É um ser totalmente humano, pois é Deus governando, e Ele governa com humanidade, ao contrário dos outros que governam com animalidade. As nuvens são o carro de Deus; Deus desce do céu e vem governar com seu povo;
14- A ele foi outorgado o império, a honra e o reino, e todos os povos, nações e línguas o serviram. Seu império é um império eterno que jamais passará, e seu reino jamais será destruído.
Agora Deus governa e seu reino é eterno e não passageiro como dos outros reinos. Seu poder não será sobreposto por nenhum outro, pois Ele é mais poderoso.
15- Eu, Daniel, fiquei inquieto no meu espírito, e as visões de minha cabeça me perturbavam.
Daniel fica inquieto e perturbado com a visão, porque é difícil de entender. Este é um artifício próprio do gênero apocalíptico.
16- Aproximei-me de um dos que estavam ali presentes e pedi-lhe me que dissesse a verdade a respeito de tudo aquilo. E ele me respondeu, fazendo-me conhecer a interpretação dessas coisas:
Por ser uma visão difícil, Daniel precisa de ajuda pra entender. Então se aproxima de um dos assessores do Juiz, para que estes possam ajudá-lo no desvelamento da visão.
17- “Esses animais enormes, em número de quatro, são quatro reis que se levantarão da terra.
Como citado antes, esses animais são os reinos.
18- Os que receberão o reino são os santos do Altíssimo, e eles conservarão o reino para sempre, de eternidade em eternidade”.
Os santos do Altíssimo são os macabeus ou todos aqueles que permaneceram fiéis. O autor de Daniel, esperando o momento de libertação de Antioco IV e vivendo na esperança que seu povo um dia poderá estabelecer uma nação, demonstra sinais de esperança através das palavras de que conservarão o reino para sempre, de eternidade em eternidade.
Porém, fica claro, que o autor não previu o futuro e sim é contemporâneo aos macabeus, que faz memória do passado. Devido a isso, não sabe que serão dominados pelos romanos, anos depois.
19- Quis, então, saber a verdade acerca do quarto animal, que era diferente de todos os outros, extremamente terrível, com dentes de ferro e garras de bronze, que comia e triturava, e depois calcava aos pés o que restava; 20- e também sobre os dez chifres que estavam na sua cabeça – e outro chifre que surgiu e diante do qual três dos primeiros caíram, esse chifre que tinha olhos e uma boca que proferia palavras arrogantes, e cujo aspecto era mais majestoso que o dos outros chifres... 21- Estava eu contemplando: e este chifre movia guerra aos santos e prevalecia sobre eles, 22- até o momento em que veio o Ancião e foi feito o julgamento em favor dos santos do Altíssimo. E chegou o tempo em que os santos entraram na posse do reino. 23- E ele continuou: “O quarto animal será um quarto reino sobre a terra, diferente de todos os reinos. Ele devorará a terra inteira, calcá-la-á aos pés e a esmagará. 24- Quanto aos dez chifres: são dez reis que surgirão desse reino, e outro se levantará depois deles; este será diferente dos primeiros e abaterá três reis; 25- proferirá insultos contra o Altíssimo e porá à prova os santos do Altíssimo; ele tentará mudar os tempos e a Lei, e os santos serão entregues em suas mãos por um tempo, dois tempos e metade de um tempo. 26- Mas o tribunal dará audiência e o domínio lhe será arrebatado, destruído a nada até o fim.
Nesses versículos há uma repetição dos relatos anteriores. São retoques feitos pelo redator, onde termina mostrando que o julgamento de Deus será inabalável e o perseguidor destruído, transformando o caos em cosmos.
Tentar mudar os tempos e a Lei é uma referência a Antíoco IV que quis mudar o calendário judaico para acabar com as festas e a Lei, que é a Tora.
Metade de um tempo significa três anos e meio, que é metade de sete (um período completo). Esse tempo, por não ser um número completo, indica que a perseguição terá seu fim.
27- E o reino e o império e as grandezas dos reinos sob todos os céus serão entregues ao povo dos santos do Altíssimo. Seu império é um império eterno, e todos os impérios o servirão e lhe prestarão obediência”.
Novamente surge a esperança do autor: no fim, Deus governará tudo.
28- Aqui termina a narrativa. Eu, Daniel, fiquei muito perturbado em meus pensamentos, e a cor do meu rosto mudou. E conservei tudo isto em meu coração
Daniel relembra que tudo foi perturbador e por isso fica pensativo. Ele guarda tudo no coração, já que não é o momento de revelar nada a quem esta no poder. Ele espera pacientemente o momento de Deus agir.
- Análise Pragmática
É um tempo de intensa helenização de Jerusalém e dos territórios judaicos. Antíoco Epífanes profanou o templo, e produziu um grande abismo entre os judeus: os que aceitam as práticas helenísticas e os que permanecem fiéis à cultura político-religiosa, os macabeus.
Devido a isso, o autor vem mostrar através desse texto, uma lição de esperança para o povo que estava sofrendo perseguição de Antíoco Epífanes, por isso ele relembra o passado, mostrando para a comunidade para a qual escreve que eles também já foram dominados por outros impérios poderosos, e que Deus agiu e os libertou. Daí ele quer mostrar ao povo que Deus também iria intervir sob a ameaça que estavam sofrendo, pois Deus não abandona os fiéis.
- Hermenêutica
Hoje, para uma melhor compreensão das palavras de Daniel, podemos lembrar o trecho da música que diz “apesar de você amanhã há de ser outro dia”. Diante das diversas dificuldades que surgem ao longo da vida, devemos ser perseverantes e ter esperança em Deus, pois Ele mesmo não interferindo diretamente nas nossas vidas, está caminhando conosco. E mesmo que as nossas dificuldades sejam o domínio de outros, seja através das palavras, ações e até mesmo privação da nossa liberdade, Deus julgará o opressor e recompensará os cativos.
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