sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Resenha do livro: O Pecado – do descrédito ao aprofundamento (Frei Antônio Moser)


Trabalho apresentado ao curso de Teologia como requisito parcial de aprovação na disciplina Teologia Moral.

O pecado é um assunto que tem vários questionamentos em torno de si, sejam teológicos ou mesmo filosóficos. A partir disso, Moser mostra com excelência a situação do pecado, como ele é concebido, interpretado, o seu panorama e o seu descrédito ao longo da história. Procura respostas desse descrédito em Freud e Marx; aprofunda seu tema fazendo a relação do pecado com o mal e o pecado original. Logo procura no Antigo Testamento, com os profetas e com Jesus no Novo Testamento posições sobre os pecadores. Também busca na Patrologia, com os Padres da Igreja uma definição com relação ao tema. Aponta como essas noções repercutem na atividade pastoral e como estão associadas as nossas compreensões de Deus. Por fim, como o Magistério encara sobre os conceitos que devem ser aceitos e seguidos pelos fiéis.
O pecado não é visto mais como uma mancha na pessoa, ou um erro cometido com consciência e liberdade contra Deus, ele é concebido como preceito de quem não segue as normas da religião que segue. Então no Cristianismo, principalmente entre católicos, o pecado existe enquanto existir um padre que aponte seu erro e afirme que é pecado? Seu descrédito é devido a uma forma de encarar a moral sem precisar citar o pecado, a perda da consciência de culpa, a evasão no que se refere ao sacramento da penitência, essas causas são devido a modernidade, onde há uma dessacralização, o pensamento se torna “adulto” e a idéia de pecado diretamente associada ao âmbito religioso se torna infantil.
Alguns pensadores deram sua interpretação a respeito do pecado, Freud, por exemplo, afirma que isso é apenas uma manifestação patológica, e como assegura que a consciência está ligada a fatores psíquicos como os impulsos (principalmente sexuais), que agem sob o consciente e as ações que controlam nossos impulsos, reduz o pecado a fatores internos que não podemos controlar, como ele não aceita nenhuma forma de religiosidade, acha que o pensamento em relação ao pecado deve ser erradicado. Para Marx, que também via o pecado ligado a moral cristã, e via na religião um meio de poder e manipulação, condenava todas as práticas e não via o sentido do pecado, alegando que era apenas uma forma de alienação.
Para compreender melhor o pecado, é fundamental entender o mistério do mal. Mesmo assim, em relação ao pecado, o mal é mais extenso, pois o pecado é a concretização de uma possibilidade que já existia. E o pecado é a expressão objetiva do declive moral do mal.
Se o pecado é fruto do mal, como compreender a origem do mal se Deus criou tudo? Ou quando lemos Isaías: “Eu sou o Senhor, sem rival, não existe outro Deus além de mim. Eu te cingi, quando ainda não me conhecias, a fim de que se saiba, do levante ao poente, que nada há fora de mim. Eu sou o Senhor, sem rival; formei a luz e criei as trevas, busco a felicidade e suscito a infelicidade. Sou o Senhor, que faço todas essas coisas.” (Is 45,5-7) e em seguida: “De fato, fui eu quem criou o ferreiro, que sopra sobre o fogo de brasas e dele tira as armas trabalhadas pela sua arte; também fui eu quem criou os demolidores para destruir.” (Is 54,16). Teria Deus criado o Mal?
A teologia clássica, defendendo Deus, pra livrar desse peso da criação do mal, apresenta alguns pontos: primeiro afirmando que só o bem existe, pois o mal não tem densidade; outro ponto é afirmar que alguns males vêm para o bem, e como exemplo disso, a frase de Santo Agostinho, “Ó feliz culpa! (de Adão e Eva) Que nos trouxe o benefício de um tão grande Salvador!”. E outro pensamento é que Deus não quer o mal, apenas o permite[1]. A partir de uma concepção mais recente, Teilhard de Chardin propõe uma explicação para o problema do mal como uma condição de possibilidade para o aperfeiçoamento da criação. Não somos capazes de ter tudo e cada uma das nossas escolhas implica a renúncia de muitas outras, o pecado está em não escolhermos a melhor atitude que se torna pleno segundo a vontade de Deus. Para entender os trechos bíblicos que dão autoria a Deus a criação do mal, é necessário entender que no Antigo Testamento, o povo de Israel considerava Deus o autor de tudo na vida, até mesmo o mal. Porém o mal não vem Dele e sim do homem.
Outro elemento que é importante para a compreensão do pecado é o pecado original. Este é entendido com uma fenda na natureza humana que todo homem adquire ao nascer, como compreende Santo Agostinho. O pecado originário é o que diz respeito à entrada do pecado no mundo, o que é transmitido é o estado de decadência no qual entra o homem com o primeiro pecado, este independe da consciência do sujeito. Para Lutero o pecado original é a tendência para o mal que experimentamos mesmo após o batismo. Essa condição é necessária para que Deus possa perdoar o homem. O Concílio de Trento vai dizer que este pecado é perdoado com o batismo em Cristo, ou seja, a fenda aberta pelo primeiro Adão é fechada pelo segundo, que é Cristo.
Para entender a culpa que carregamos em relação a um personagem bíblico mítico, e para não cair na heresia do pelagianismo, e afirmar que a culpa de Adão morreu com ele. Entendo que o pecado original é a ruptura entre o homem e Deus que ocorre quando o homem se afasta do bem de Deus, e pelo batismo volta a ter a comunhão com Ele. Porém, Moser afirma que o pecado original é o pecado do mundo, são males como roubo, corrupção, promiscuidade sexual[2], que vem ganhando força pela história, logo é o peso do erro dos nossos antepassados. É um pecado que foge do sentido individual e passa a pertencer a sociedade inteira, onde cresce a capacidade de não amar, fortalecendo os pecados individuais.
Moser através do exemplo que Cristo é o Sol, a Igreja sua lua que reflete sua luz e as estrelas que também emitem luz, são as outras culturas, encontramos nelas elementos que se aproximam com o pensamento cristão. Por exemplo, no hinduísmo, há o rito de purificação pela água, como o batismo; no budismo, o pecado está relacionado à responsabilidade da pessoa; os mandamentos da Babilônia são os mesmos recebidos por Moisés no Sinai, com a diferença deste ser politeísta. Porém, serão os profetas que mais tratarão da questão do pecado, devido à infidelidade a Aliança estabelecida entre Deus e o Povo. Apesar de não ter um conceito definido no Antigo Testamento, os profetas denunciam os pecados individuais, aqueles que estão voltados pra questões humanas e que afastam dos preceitos de Deus.
No Novo Testamento o posicionamento de Jesus diante do pecador é admirável. Ele não condena, mas quer que o pecador tenha a vida, se restabeleça em sua relação com Deus. Para Jesus o pecado esta em não aceitar o Reino de Deus que Ele vem anunciar; Ele vem para os pecadores e não para os justos, propondo uma conversão. Paulo, que teve sua experiência de conversão através de Cristo, nos diz que a origem do pecado está na ganância que é o querer mais do que se necessita; apresenta o pecado como erro voluntário, uma desobediência a Deus, além disso, ele lista os mais diversos tipos de pecados: Gl 5,13-25; 1Cor 5,1.6,9s.[3]
Para melhor finalizar o pensamento de Paulo, nada a mais que as palavras: Não entendo, absolutamente, o que faço, pois não faço o que quero; faço o que aborreço [...]. Não faço o bem que quereria, mas o mal que não quero” (Rm. 7, 15-23).
Na Patrística, a princípio, não houve uma necessidade de criarem tratados a respeito do pecado, apesar dele não estar ausente, com o tempo foram surgindo os primeiros conceitos, sendo que nessa época estabeleceu a idéia de pecado uma infração contra a instituição, e baseado na lista de sete pecados. Os Padres da Igreja, diante do pecado, como obstáculo da comunidade, vão propor formas de combatê-lo.
Como herança, ou até mesmo mau costume, da Idade Média, perduraram os manuais casuísticos de pecado, onde estão listados os pecados e a penitência referente a ele. Nisso o pecado passaria a ser o descumprimento de uma lei, e teria sua punição, que já estava prescrita em um manual.
Com as ciências humanas e sociais, o pecado vai surgir como tudo que destrói e aliena. O pecado vai sair do ato isolado, para um contexto social mais amplo. Também o pecado não é uma opção fundamental negativa, caracterizando um pecado mortal.
Na contemporaneidade, a concepção do pecado passa a ter um enfoque mais socioestrutural, principalmente na América Latina, e como lembra Puebla (1979), que não foi citado por Moser, mas seria essencial ter lembrado, é que a Igreja vive uma realidade de pecado social, e a gravidade do fato está em países que se dizem católicos, e por excelência têm a capacidade de mudar, mas indiferente a isso, são omissos.


[1] P.35
[2] P. 67
[3] P. 95

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